As mesas ocupadas e o barulho das conversas ao redor,
principais motivos que a levaram a escolher aquele lugar, agora lhe pareciam
insuportáveis.
Olhou o relógio. Chegara quinze minutos antes, como de
costume. Tempo infindável que se impunha com toda sua crueldade e a impedia de
raciocinar. Só conseguia concentrar-se no ambiente inóspito. De onde tirara a
ideia de convidá-lo àquela lanchonete tão desagradável?
Quando ele se sentou à sua frente, em meio a sorrisos
desconcertantes e comentários sobre o trânsito, ela entendeu por que propusera
o local. Tudo que ela queria era evitar a intimidade, a fala pesada, seus olhos
enchendo-se visivelmente de lágrimas que não pretendia derramar.
Que fosse ali, no meio de sacolas, de risos, de luzes
brancas e cadeiras desconfortáveis.
Como era difícil encontrar as palavras! Quantas vezes já
tentara explicar o que sentia, o que desejava, só para vê-lo desfazer-se com
maestria da trama em que ambos se enredavam.
Por que ela marcara o encontro? O que mais havia a ser dito,
explicado, proposto?
-- Você está bonita.
-- Ah, imagina, vim correndo do escritório.
-- Não se diminua. Agradeça e aceite, foi sincero.
Que mania de fazê-la sentir-se inadequada, como se vestisse
uma calça que a deixava linda, mas a impedia de respirar. Ela sempre tentara
compreendê-lo, entender seu amor distante, seu jeito de lembrá-la
constantemente do seu autocontrole.
Era medo o que ele sentia? Desamor?
Logo ela, sempre tão intensa, tão verdadeira e espontânea,
via-se ao mesmo tempo instigada e diminuta diante daquele homem que parecia ter
domínio absoluto sobre todos os gestos, todas as palavras, todos os movimentos
de aproximação e recuo que lhe eram tão familiares.
Foi então que ela olhou em seus olhos e percebeu que não havia
o que desvendar nem procurar, estava a tudo ali, escancarado em seu riso narcísico.
E se deu conta de que demorara além do tempo, e que o
nada, cujo sentido outrora lhe parecia tão alheado da realidade, enfim assumia
uma configuração humana.
-- Você queria conversar?
-- Sim, mas antes preciso ir ao banheiro.
Assim que chegou à rua, arrependeu-se por um segundo e
pensou em voltar, não era correto agir daquele modo. No entanto, a sensação de
liberdade que a tomou em seguida a fez seguir em frente.
E ela, cuja inquietude habitual e o uso excessivo das
palavras lhe afastavam do medo de uma vida inerte e covarde, agora se entregava
à serenidade e partia sem ser notada, sem nada dizer.
Não era necessário: por fim compreendera que mudanças também
são feitas de desistências silenciosas.