Que não existe só uma maneira de se relacionar afetivamente, acho que a maioria das pessoas, principalmente as mais jovens, concorda. Os seres humanos são diversos, assim como seus desejos e sentimentos. Pensar que há apenas um modelo que dê conta de todo mundo é, no mínimo, muita inocência.
Foi-se o tempo em que somente a relação heternormativa e monogâmica era a única possibilidade. Hoje as opções, ainda bem, são mais amplas. Existem muitos modelos de relacionamento possíveis, e cada um pode escolher como e com quem quer se relacionar amorosamente. No entanto, essa liberdade de escolha não é, de fato, uma possibilidade real para todas as mulheres.
Educadas e ensinadas a acreditar no amor romântico e a esperar mais dos homens do que de si mesmas, as que percebem que estão embarcando em uma furada ao buscar um relacionamento amoroso que satisfaça todas suas necessidades vivem um dilema: como ir contra tudo aquilo que a sociedade espera delas sem as ferramentas necessárias?
É como se de repente dissessem a um grupo de crianças: “Olha, vocês não precisam brincar só de casinha, podem escalar montanhas também, só que não vamos lhes dar o equipamento e o treino necessários”. A maioria vai preferir a velha casinha, que embora não seja lá essas coisas, pelo menos é segura e conhecida; as que se aventurarem na montanha provavelmente vão se machucar feio.
Para se relacionar com o outro em pé de igualdade, é preciso admitir seus limites, seus desejos, suas expectativas. É necessário, acima de tudo, aceitar-se e respeitar-se, conhecer, gostar e confiar em si, e isso não ensinam às mulheres. Ao contrário, ensinam-nos a buscar a felicidade no outro: no parceiro ideal, no marido perfeito, nos filhos que virão, na família a quem deveremos dedicar a vida.
As diversas possibilidades hoje disponíveis, sem os meios necessários para vivê-las em sua plenitude, tornam-se, portanto, uma armadilha perigosa.
O resultado é que muitas mulheres continuam à mercê dos parceiros, mesmo que vivenciando modelos de relacionamento diferentes. São eles que dão o tom. Porque o problema não está nos modelos, apenas, mas no fato de que às mulheres não são dadas as oportunidades de desenvolver e expressar seus desejos.
A verdadeira liberdade não consiste apenas em oferecer possibilidades, mas em fornecer ferramentas para que todos e todas tenham condições de dela desfrutar. Qualquer coisa fora disso é migalha, um arremedo de liberdade. E uma cilada para os incautos.
*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"