Ao contrário da forma como tratamos a maioria dos delitos e crimes, somos coniventes com a violência contra a mulher e impiedosos com as vítimas. Embora ninguém questione o caráter e o comportamento de quem tem o carro roubado, por exemplo, a vida das mulheres vítimas de agressões é sempre devastada. Perguntas sobre sua vida sexual, seu comportamento, suas roupas, hábitos e práticas são comuns, independentemente do crime sofrido. A falha no atendimento adequado dessas mulheres também é recorrente.
Por outro lado, aceitamos qualquer desculpa esfarrapada que justifique as violências: a saia curta, o gênio ruim, o fato de ter bebido demais, o comportamento dito libertino, o jeito pouco incisivo de se comunicar. Qualquer pretexto serve para colocar em dúvida a violência cometida e a reputação de quem a sofreu.
Será que à jornalista que denunciou o assédio do funkeiro Biel não faltaria senso de humor para encarar suas piadinhas? A vítima do estupro coletivo no Rio não teria aceitado fazer sexo com um bando de homens, a maioria desconhecida, em um quarto imundo, por prazer? A mulher do ator Johnny Depp não estaria atrás de fama e dinheiro ao solicitar uma ordem de restrição temporária em razão de violência doméstica?
É claro que toda denúncia deve ser investigada e não podemos sair condenando as pessoas sem provas. Mas me impressiona a facilidade com que duvidamos das vítimas quando se trata de violência de gênero.
Esse tipo de agressão se ampara em dois pilares básicos: a ideia de supremacia masculina e a de inferioridade feminina. Os homens que a cometem deixam claro sua dominação, o poder que exercem sobre as mulheres. E a forma como a sociedade trata as vítimas que ousam denunciar a violência mostra como as mulheres são vistas como inferiores, como seres que, antes e acima de tudo, merecem descrédito.
Pode parecer exagero, mas é exatamente essa a ideia por trás dos casos de violência de gênero, seja ela doméstica ou não. Não à toa, há tanta subnotificação de ocorrências de violência contra a mulher.
Por isso é tão importante tratar a questão de gênero nas escolas, para que as crianças aprendam a condenar a ideia de supremacia masculina. Enquanto evitarmos encarar e combater o machismo de verdade, as mulheres continuarão a sofrer caladas, para evitar outra violência, dessa vez por parte de quem deveria protegê-las: a sociedade e o Estado.
*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"