E o que me impede de cometer um assassinato? Muitos fatores. A educação que recebi, totalmente contrária à ideia de tirar a vida de outro semelhante; a coerção da sociedade, que por meio de suas normas simbólicas e manifestas me mostra desde que nasci que matar alguém é crime; a cultura em que vivo; entre outros.
Se as condições fossem diferentes, eu poderia matar. Isso faz de mim uma assassina? Não. Mas eu sei que posso assassinar alguém. O fato de não fazê-lo é uma escolha, embora influenciada pelos motivos citados acima.
Quando as mulheres dizem que os homens são estupradores em potencial é isto que estamos querendo dizer: os homens têm potencial de estuprar. Nem todos o farão, claro, mas eles têm um papel importante como possíveis atores.
Todo mundo se chocou com o estupro coletivo da menina no Rio. Realmente, foi um crime horrendo. Mas me pergunto: quantas dessas pessoas não se surpreenderiam se soubessem que seus pais, irmãos, filhos, maridos, primos e amigos mexem com mulheres na rua, passam a mão em meninas nas baladas, tratam mal as parceiras, não respeitam as colegas de trabalho e riem de piadas machistas? Talvez muitos dos homens que se horrorizaram com o caso façam eles mesmos essas coisas, sem nem relacioná-las com estupro.
Mas essas atitudes têm, sim, a ver com estupro, que é considerado crime, mas acontece a todo instante. Nem sempre são casos tão extremos como o do Rio, aliás, a maioria é cometida por colegas, maridos, namorados, parentes, vizinhos, homens que fazem parte do dia a dia da vítima.
Estupro é apenas umas das manifestações de uma violência contra a mulher que é estrutural e contínua, que acontece todos os dias, com todas as mulheres.
Então, assim como achamos que é nossa função como sociedade coibir assassinatos e educar nossos filhos para que não sejam assassinos, devemos assumir a responsabilidade de criar uma sociedade livre de violência de gênero e mais igualitária. Uma sociedade em que as mulheres sejam valorizadas, em que seu consentimento seja respeitado e sua voz, ouvida.
Isso é tarefa de todos nós. Ouçam as mulheres.
*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"