segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Maternidade idealizada


Esta semana, minha TL foi invadida por fotos de amigas e conhecidas exaltando a beleza e a alegria da maternidade. Vou deixar de lado o fato de que essa ‘campanha’ possa ser armação dos grupos contrários à descriminalização do aborto e me concentrar apenas na discussão do que chamo de “maternidade plena”.

Nunca considerei a ideia de não ter filhos. Aliás, essa possibilidade sequer passou pela minha cabeça. Então, quando achei que havia chegado a hora, planejei minha família e tive duas filhas, duas meninas maravilhosas que me enchem de alegria e amor. Contudo, elas também me fizeram pensar até que ponto a maternidade, para mim, havia sido mesmo uma escolha, em seu sentido mais amplo. Melhor: até que ponto ela é uma escolha para qualquer mulher.

Quando crianças, aprendemos que somos dotadas de um instinto maternal tão poderoso e natural quanto sentir fome e sono. Dizem-nos que nenhuma mulher escapa da vontade de ter, cuidar, amparar e amar os filhos incondicionalmente, pelo menos não uma mulher que não seja egoísta ou egocêntrica. Afinal, somos generosas, maternais, compreensivas, amáveis, e nossa vida será desprovida de sentido se não seguirmos esse instinto natural.

Só que a maternidade não é natural, pelo menos não para todas. É algo construído a duras penas, no dia a dia, durante anos. Não é tarefa fácil, implica doação, comprometimento, exige que abramos mão da própria vida em muitos sentidos, em vários momentos. E, adivinhem?, criar filhos às vezes é duro, outras é chato, quase insuportável. E isso nada tem a ver com amor.

A noção idealizada da maternidade não ajuda as mulheres a lidar com a maternidade real e suas contradições e dificuldades. Assim, como fazem com a ideia de amor romântico, em que há uma alma gêmea à sua espera para desfrutar uma vida de alegrias e prazeres, tentam nos empurrar que ser mãe é uma maravilha, algo para que todas as mulheres nasceram. E quem não experimenta esse sentimento sublime tem de aguentar os olhares inquisidores e os julgamentos alheios.

Realmente, há algumas mulheres que se sentem totalmente realizadas e completas sendo mãe. Para mim, é apenas parte do que sou, nunca me definiu. E não foi fácil admitir que não há nada errado com isso.

A sociedade tem uma relação ambígua com a maternidade. Ao mesmo tempo que a exalta, não facilita a vida da mãe. Na verdade, a maternidade pode ser uma forma de aprisionamento, já que os homens participam muito pouco dos cuidados diários dos filhos, as mães têm dificuldade para arrumar emprego, para estudar, para encontrar tempo para suas realizações pessoais e com frequência são consideradas más mães quando não exercem a maternidade do jeito mais convencional. Isso sem falar nas milhares de mulheres que criam os filhos sozinhas, que se veem presas em jornadas duplas para sustentar e cuidar dos filhos (lembremos que mais de 5 milhões de brasileiros não são sequer registrados pelos pais).

Ter ou não ter filhos deve ser uma escolha pessoal, e só poderemos fazê-la de fato se tivermos oportunidade de sermos outras coisas. É possível, sim, ter uma vida plena e realizada sem filhos, e cada vez mais mulheres vêm nos provando isso.

Quem escolher não ter filhos, não importa por qual motivo, não deve ser vista como uma mulher incompleta, não realizada, ao contrário, ela terá mais liberdade para explorar outras possibilidades. Quem decidir tê-los, precisa saber que enfrentará a tarefa mais difícil da vida, que em nada se assemelha à ideia de paraíso. Deve ter consciência que essa pode ser uma experiência maravilhosa, mas também pode não ser. E que tudo bem, desde que nos aceitemos como somos e busquemos nosso próprio caminho. Sem idealizações.


*Texto originalmente publicado na página "Quebrando o Tabu"