Desde que defendi abertamente
a legalização do aborto, muitas mulheres, conhecidas ou não, passaram a me
procurar para pedir indicação de médicos que realizem o procedimento com o
mínimo de segurança. Não falo de duas, seis mulheres, mas de dezenas.
Sei que fenômeno semelhante
ocorre com outras mulheres que, como eu, são favoráveis à descriminalização do
aborto.
Fico pensando o que leva uma
pessoa a procurar uma desconhecida para ajudá-la em momento tão delicado da
vida, quem é ela, como veio parar nessa situação.
Segundo dados apresentados no
seminário “Mídia e Aborto”, organizado em abril deste ano pelo Grupo de Estudos sobre o Aborto
(GEA), uma em cada cinco mulheres de 40 anos já abortou.
O perfil das mulheres que me
procuram é variado: são moças casadas, solteiras, com parceiro fixo ou não, muito jovens, mais velhas, ricas, pobres, com ou sem filhos, brancas, negras, religiosas ou não. Em comum, todas
trazem consigo o medo e uma vulnerabilidade extrema. A imensa maioria está
sozinha, quando muito conta com o apoio de uma amiga ou do parceiro.
Portanto, com base nos dados e na minha experiência e na de outras pessoas que ousam falar sobre aborto, afirmo sem a menor dúvida que essas mulheres não são as outras, como gostamos de imaginar, mas, ao contrário, somos todas nós.
Elas poderiam confiar em um
médico que as amparasse e acolhesse, que lhes desse informações seguras sobre
como proceder diante de uma gravidez indesejada, que lhes apresentasse todos os caminhos possíveis e, eventualmente, as acompanhasse durante e depois do procedimento, indicando-lhes como agir no futuro para que não engravidassem sem querer novamente.
Todavia, na falta de opção,
recorrem a amigas e desconhecidas em quem, imaginam, podem confiar e encontrar o
mínimo de apoio.
Sugiro, aqui, que façamos um
exercício e nos coloquemos por um minuto apenas no lugar dessas mulheres.
Por descuido ou acaso, você
engravidou, mas não deseja ou não pode seguir com a gravidez. Você não tem
recursos, não tem parceiro fixo, acha que ainda não tem idade suficiente para
arcar com um filho, não importa o motivo que a levou a não desejar a gravidez,
você não quer ou não pode seguir adiante.
O que fazer? A quem procurar?
Como o aborto é crime, você será considerada criminosa se buscar um hospital
ou serviço de saúde para pedir ajuda.
A você, então, só resta procurar amigos e familiares. Nem todas, porém, podem contar com uma rede de apoio, por
motivos variados.
Sozinha, você vai atrás de
informações por conta própria, e nesse processo tudo pode acontecer. Sem
orientação de um especialista, que você não sabe onde encontrar e talvez nem
tenha dinheiro para pagar, você reza para não morrer.
Sei que muitos vão dizer: “então por que fez sexo se não pode arcar com as consequências?”. Bom, então deveríamos
tratar desse modo quem contrai sífilis, gonorreia, HPV e outras doenças
sexualmente transmissíveis. Afinal, contrair uma DST é um risco que todos que
fazem sexo correm, mas apenas uma minoria, creio, deseja que as pessoas não
tenham direito a um tratamento médico decente.
No entanto, condenamos
milhares de mulheres aos riscos que um aborto inseguro implica. Não lhe
oferecemos nenhuma alternativa, nenhum tratamento, nenhum amparo.
A verdade é que, assim como
contrair uma DST, engravidar é um risco de quem faz sexo. E da
mesma forma que uma pessoa não deve ser punida e esquecida porque contraiu uma
doença, seja ela qual for, uma mulher que não deseja a gravidez também não deve
ser abandonada à própria sorte.
A ideia de que as mulheres devem ser castigadas porque fazem sexo por prazer é tão antiga que é difícil acreditar que
ainda nos deixemos levar por ela. Pior, que estruturemos nossa sociedade e
nossos valores com base nela.
O Estado que não oferece serviço médico a mulheres que engravidam sem
desejar não cumpre seu papel, pois é sua obrigação garantir acesso à saúde e aos direitos reprodutivos
da mulher. E se o Estado falha, falhamos todos ao aceitar sua omissão.