terça-feira, 11 de abril de 2017

Mexeu com uma, mexeu com todas

Muito já foi dito sobre a denúncia de assédio contra o ator José Mayer e, neste momento, não sinto que eu possa acrescentar nada de novo ao caso. Por outro lado, impossível não falar sobre um fato escancarado pelo episódio: quase toda mulher já passou por situações parecidas à vivida por Su Tonani. Por isso, aproveito para fazer algumas observações importantes para evitarmos novos casos semelhantes:

1) É preciso quebrar o silêncio. Muita gente, a maioria homens, questionou a forma como a denúncia foi feita e até a veracidade do seu conteúdo. Em um mundo ideal, Su teria sido ouvida pelas instâncias que procurou e o caso não precisaria ter vindo a público da forma que veio. Só que nosso mundo está longe de ser ideal, e expor sua dor e humilhação foi a única alternativa encontrada pela vítima para que seu assédio não caísse no lugar ingrato reservado para a maioria dos casos análogos: o esquecimento. Precisamos, sim, denunciar o assédio e a violência e apoiar as vítimas.

2) Não devemos demonizar os assediadores, nem dizer que eles são exceção. Porque a verdade é que o caso envolvendo José Mayer chamou a atenção justamente por ser comum demais. Por isso, acho perigoso dizer que o ator é bandido ou mau caráter, por exemplo. Ele, na minha opinião, deve ser punido como todo assediador, mas o mais importante é que deixemos claro que o que ocorreu com Su acontece todos os dias, com todas nós, envolvendo homens de todos os níveis sociais, raça, idade e de escolaridade.

3) O apoio que Su recebeu e a mobilização que se seguiu à denúncia devem ocorrer sempre, inclusive e principalmente quando as vítimas forem menos privilegiadas. Sim, Su estava, apesar de tudo, em uma situação privilegiada. Contou com o apoio de amigas que têm espaço na mídia, com colegas de profissão. Quantas mulheres negras e pobres sofrem caladas? Quantas denunciam e têm de enfrentar também a ira de mulheres que apoiam os assediadores por pertencerem ao seu núcleo social?


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4) Chama a atenção, também, a grande quantidade de homens, incluindo colegas, que saiu em defesa do ator. É desanimador que um caso dessa gravidade encontre amparo. Outros colegas optaram por não se manifestar, o que é compreensível diante da repercussão do caso. Foi a mobilização das mulheres que fez com que o assédio de Su não embrulhasse o peixe do dia seguinte, como ela mesmo colocou em seu relato tão contundente, e isso é muito animador.

5) Por fim, peço aos homens que reflitam sobre o caso. Mesmo quem nunca assediou já se deparou com homens assediadores. Na maioria das vezes, não é fácil se posicionar contrário. Há toda uma estrutura social que protege quem assedia e recrimina quem se opõe. Mas é de extrema importância que os homens repensem suas atitudes e coloquem-se como parte do problema e da solução. Gostaria que em vez de dizerem “ah, sou diferente, nunca fiz isso!”, vocês pensassem “como posso fazer para ajudar a evitar novos casos de assédio e de violência contra a mulher?” Essa mudança de postura é essencial para que a sociedade avance no que diz respeito à equidade de gênero.

Os desdobramentos do caso (o afastamento do ator de suas atividades diárias, a carta que ele foi quase que obrigado a escrever) foram muito importantes. Históricos, arriscaria dizer. E eu, que não costumo ser muito otimista, sinto que estamos no caminho certo para a construção de uma sociedade mais justa e menos desigual.

Que o #MexeuComUmaMexeuComTodas perdure.


*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu" e no site "Casa da Mãe Joanna"

quinta-feira, 6 de abril de 2017

A pílula anticoncepcional é segura?

A primeira pílula anticoncepcional foi lançada no mercado em 1960. Em sua composição, havia doses altas de hormônios que causavam efeitos colaterais desagradáveis e potencialmente perigosos à saúde da mulher. Por outro lado, a pílula representou um avanço importante nos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, que pela primeira vez na história puderam controlar sua sexualidade e sua vida reprodutiva com mais eficácia e a custos mais baixos.

No entanto, no início, as primeiras mulheres que fizeram uso da pílula não foram bem informadas acerca dos riscos do medicamento, e movimentos feministas, principalmente nos Estados Unidos e Europa, passaram a pressionar a indústria farmacêutica para que estudasse e divulgasse nas bulas e entre a comunidade científica os possíveis riscos do uso contínuo da pílula anticoncepcional.

Muitos anos se passaram desde então, e hoje há várias pílulas no mercado, a maioria com doses bem mais baixas de hormônios. Por exemplo, algumas contêm 15 microgramas de estrogênio, dose dez vezes mais baixa que a primeira pílula lançada no mercado, que continha 150 microgramas do hormônio.


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Seus efeitos adversos e riscos também são bem reconhecidos e conhecidos, já que a pílula vem sendo estudada há mais de 55 anos. Como todo medicamento, ela apresenta contraindicações e riscos a alguns grupos de pessoas. Exatamente por isso, o ideal seria que todas as mulheres passassem por consulta médica antes de adotar um método anticoncepcional e que depois fossem acompanhadas para avaliar os riscos e benefícios individuais do método de escolha.

Mulheres com histórico familiar de trombose venosa e embolia pulmonar, com doenças cardíacas, hipertensão, diabetes, obesidade, distúrbios alimentares e tabagistas devem buscar outro método anticoncepcional, pois essas condições, somadas ao uso da pílula, aumentam o risco de desenvolver trombose venosa, doença potencialmente grave causada pela formação de coágulos (trombos) no interior das veias profundas. Para as demais mulheres, contudo, o risco de desenvolver trombose com o uso de pílula anticoncepcional de baixa dosagem é muito pequeno.

Todavia, recentemente, diversos casos da doença foram associados ao uso do medicamento e divulgados na internet, levando medo às mulheres que adotam o método anticoncepcional. Por causa do temor de desenvolver a doença, meninas jovens abandonaram o método e passaram a adotar outros cuja taxa de falha é muito alta: o coito interrompido e a tabelinha, muitas vezes com o auxílio de aplicativos para celulares.

Se considerarmos que muitas meninas iniciam a vida sexual ao redor dos 14 anos e têm acesso apenas a contraceptivos de barreira (camisinha e diafragma, por exemplo) e hormonais (injetáveis e orais), é possível supor o quão perigosa pode ser a difamação da pílula.

“Em 2014, houve 28.244 nascidos vivos de mães de 10 a 14 anos e 534.364 nascidos de meninas de 15 a 19 anos. A cada 19 minutos, uma menina de 10 a 14 anos se torna mãe no Brasil. São números muito altos”, explica a médica ginecologista Albertina Duarte Takiuti, coordenadora do Programa de Saúde do Adolescente do Estado de São Paulo e coordenadora de Políticas Públicas para Mulher do Estado de São Paulo, citando dados do Datasus.

A médica alerta, também, para a importância da dupla proteção (preservativo associado a um método anticoncepcional) nas relações sexuais para evitar as doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada.

“Vejo meninas que não usam a pílula porque não querem tomar hormônio, mas depois acabam recorrendo à pílula do dia seguinte. O que elas não sabem é que assim elas estão ingerindo metade da dosagem hormonal contida em uma cartela de pílulas de baixa dosagem em um único dia”, relata a médica. “A pílula do dia seguinte é um recurso importante para evitar a gravidez indesejada, mas não deve ser usada com frequência.”

A dra. Albertina reforça que é importante que a mulher “se sinta bem com o método anticoncepcional escolhido”, e que tenha possibilidade de relatar ao médico qualquer efeito desagradável que venha a sentir. A supervisão médica é importante exatamente para que essas pacientes sejam acompanhadas.

Quem faz uso de contraceptivos hormonais sem indicação e supervisão médica deve procurar um médico caso tenha efeitos adversos, procedimento recomendado durante o uso de qualquer medicamento.

A mulher deve ter direito de escolher o método anticoncepcional mais adequado para si. Para isso, precisa estar bem informada e orientada acerca do funcionamento do seu corpo e dos riscos e benefícios dos métodos disponíveis.

Nesse contexto, a pílula anticoncepcional, associada ao preservativo, pode ser um método seguro e de extrema importância para que a mulher possa exercer sua sexualidade com segurança e liberdade.


*Texto originalmente publicado no site "Drauzio Varella"