sexta-feira, 31 de outubro de 2014

As adolescentes e a camisinha


A adolescência é um período de incertezas e descobertas. As mudanças físicas, psicológicas e comportamentais pelas quais os jovens passam nessa fase são intensas.

De uma hora para outra eles têm de aprender a lidar com um corpo diferente e com determinadas responsabilidades para as quais nem sempre estão preparados.

Durante esse período, surge um novo aspecto do universo adulto: a vida sexual. Seu início não é simples para ninguém, mas as meninas estão em situação mais vulnerável, por vários fatores.
Em primeiro lugar, porque engravidam. A descoberta de si e do outro traz a necessidade de lidar e assumir, muitas vezes sozinha, o risco de gerar outra vida.

Apesar da possibilidade de gravidez e de contrair doenças sexualmente transmissíveis, o II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), divulgado em 2012, revelou que 40% das meninas entre 14 e 25 anos não usam preservativos. Um terço dessas jovens (32%) já engravidou; 12,4% sofreram abortamento espontâneo ou provocado.

A infecção pelo HIV vem crescendo entre as adolescentes de 13 a 19 anos. Desde 1998, o número de meninas infectadas supera o de meninos.

Inseguras para impor suas vontades, as jovens muitas vezes se submetem ao desejo dos parceiros, alguns bem mais velhos, de fazer sexo sem preservativo.

Sabemos que as meninas são criadas de maneira diferente dos meninos. Enquanto estes são estimulados a praticar sexo, elas devem ter um comportamento recatado e não demonstrar desejo.

Todos os xingamentos destinados às meninas têm cunho sexual e servem para passar a ideia de que sexo é algo sujo, a ser evitado. Também lhes ensinamos que devem esconder e disfarçar a sexualidade, se quiserem ser respeitadas.

Como esperar que a jovem, depois de aprender que sexo não deve sequer ser mencionado e que é preciso esconder seus desejos sexuais, de repente passe a se impor e exigir o uso de preservativo?

As meninas só vão se proteger se tiverem segurança e autoestima. Para isso, precisamos falar de sexo com elas desde cedo, ensinar-lhes que se valorizar não é negar seus desejos e sim saber estabelecer relações saudáveis, em que se sintam respeitadas.

É necessário que entendamos, de uma vez por todas, que as meninas também têm desejos e que, de uma forma ou de outra, eles serão expressados. Resta saber em que condições queremos que isso aconteça.

 *Texto originalmente publicado no www.drauziovarella.com.br

                  

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Para eu não me esquecer


Comece tudo outra vez. De novo mesmo. Do começo. Porque começar dá trabalho, mas ficar parado cansa.

E termine também. Muitas vezes. Porque não dá para começar sem terminar.

Ame um tanto, de um jeito exagerado, escrachado. Com vontade, sem pudor. Para valer a pena.

Sonhar é bom, mas não muito. Não perca a mão, mas tire os pés do chão.

Siga o coração, mas só se ele bater forte, descompassado, sem exatidão.

Arrisque, aposte. Um pouco de impossível.  E torça para dar errado de vez em quando.

Assuma também. Pelo menos para você. Para os outros, nem sempre.

Acima de tudo, não fuja da liberdade. Nem tente: é pior que enfrentá-la. E faz mal para o fígado. Evite.

Mude de ideia vez ou outra. Aliás, toda hora. Depois, mude mais uma vez.

Atire-se. E aguente o tranco. Pode gritar. Chorar também pode. Quebrar tudo, só se não tiver outro jeito. Melhor não.

Vez por outra, deixe entrar quem não lhe quer, mas só para lembrar que não deve mais deixar entrar quem não lhe quer.

Não lute contra si mesma. Aceite-se. E tenha muito amor próprio. Quilos, montes, baldes.  

E abrace, beije, aperte, amasse, emaranhe-se, confunda-se. Faz um bem danado.

Ria quando der. De manhã, de tudo, de você.

Nem sequer pense em culpa. Ela fica muito feia em você.


Por fim, assuma sua finitude. É inevitável. Fazer o quê?

E, se der tempo, repita tudo outra vez.

sábado, 25 de outubro de 2014

As dificuldades dos tratamentos para infertilidade

 Pesquisas apontam que cerca de 15% a 20% dos casais têm ou terão dificuldade para engravidar. Como hoje em dia muitas mulheres adiam a maternidade e os tratamentos para infertilidade se tornaram mais acessíveis, são cada vez mais frequentes os casais que buscam as clínicas de fertilização.

Para comprovar a necessidade de tratamento, a mulher começa uma verdadeira epopeia médica: são dezenas de exames de sangue e imagem, muitas vezes dolorosos, para comprovar a dificuldade em engravidar. Para o homem, na maioria dos casos basta um espermograma, que verifica a contagem e a qualidade dos espermatozoides.

Comprovada a necessidade do tratamento, seguem-se mais exames, consultas e tratamento medicamentoso para estimular a ovulação. Em certos casos, o tratamento é cirúrgico, envolvendo anestesia, internação e repouso. Cada tentativa frustrada traz a sensação de fracasso, culpa e impotência.

Por que não comecei a tentar a engravidar antes? Por que priorizei a carreira? Será que vou conseguir ter filhos? Essas são apenas algumas das perguntas que passam a dominar a vida da futura mãe.

Além de lidar com as mudanças físicas e emocionais que os hormônios e a pressão para conseguir engravidar trazem, ela acaba condicionando sua vida sexual a relações com hora marcada, com a única finalidade de engravidar. Seu relacionamento afetivo volta, portanto, aos primórdios da humanidade, quando sexo era visto apenas como meio de procriação.

A vida financeira do casal também passa por um teste e tanto: cada tentativa de fertilização in vitro em uma clínica particular não custa menos de 10 mil reais, e são muitos os casais que precisam passar por várias tentativas até conseguir a gravidez.

Profissionalmente também há consequências, pois, tendo de seguir os horários e dias que o tratamento impõe, muitas mulheres se queixam de não conseguir cumprir as tarefas e de precisar faltar ou chegar atrasada ao trabalho. Com medo das consequências que uma gravidez pode trazer à profissão, a maioria esconde que está passando por um tratamento.

Na verdade, o tratamento envolve o casal, mas são as mulheres que se sentem responsáveis por seu sucesso ou fracasso. É a elas que cabe toda a pressão para conseguir engravidar, mesmo quando não é a única responsável pela dificuldade.

Fragilizada e cansada, ela vê seu casamento, profissão, saúde física e mental degringolarem em nome de um sonho que, supostamente, seria do casal.

O problema nem sempre é a falta de participação do parceiro, mas a forma como os tratamentos são apresentados. Colocar a mulher como única responsável pelo tratamento apenas porque ela engravida não é justo nem correto.

Ao optar por um tratamento de infertilidade o casal deve estar ciente das dificuldades que enfrentará. Essa deve ser uma escolha de ambos, que devem se preparar para não deixar o tratamento comandar todas as áreas de sua vida.

*texto originalmente publicado no site www.drauziovarella.com.br

                  

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Bom-senso em tempos estranhos

Preciso confessar: nunca confiei muito no bom-senso das pessoas. A capacidade de julgamento pode ser influenciada por muitas variáveis, e os seres humanos estão longe de ser isentos. Portanto, já esperava paixões e ânimos acirrados nestas eleições. Até aí, nenhuma novidade.

O que vejo, no entanto, vai além. As pessoas parecem ter aberto mão da liberdade individual, do senso crítico. E o que sobra da valiosa capacidade de julgamento sem liberdade para crítica? Muito pouco.

Defender uma posição política não implica, de forma nenhuma, fechar os olhos para os defeitos e problemas que ela apresenta. Tampouco requer a demonização e desqualificação de todos que pensam diferente.

Na verdade, a forma como políticos e eleitores têm se comportado nesta eleição polarizada revela um fato mais grave: a imaturidade do nosso processo democrático.

Os debates televisivos mostram candidatos se agredindo, atacando-se e defendendo-se em um discurso vazio, em que faltam propostas e ideias claras.

Os eleitores, em tempos de redes sociais, reproduzem todo tipo de propaganda, muitas vezes mentirosas, sem ao menos se preocupar em verificar as fontes.

Ofendem-se mutuamente, com uma soberba desrespeitosa, buscando desqualificar o outro em vez de defender propostas.

Políticos, artistas, jornalistas e intelectuais se prestam a atitudes vexatórias, fazendo afirmações em que, suspeito, nem eles mesmos acreditam.

Não sou inocente, sei que política é terreno fértil para discussões e as julgo saudáveis e necessárias. Em um momento tão importante para o país, espera-se a defesa clara de pontos de vista e posições, com argumentos concisos e embasados, mesmo que apaixonados.  


Nestas eleições, infelizmente, perdemos a chance de amadurecer.

sábado, 18 de outubro de 2014

Campeãs mundiais de cirurgia plástica

A cirurgia plástica evoluiu muito nos últimos anos. As técnicas cirúrgicas e os novos medicamentos anestésicos garantem mais segurança aos pacientes, e os procedimentos também se tornaram mais acessíveis.

Todo indivíduo deve poder dispor do próprio corpo da maneira que lhe for conveniente. Ninguém tem o direito de recriminar uma pessoa que opte por mudar o corpo.

Mas não há como deixar de questionar o fato de o Brasil ter se tornado o campeão desse tipo de procedimento, principalmente entre as mulheres, que começam a fazer cirurgias cada vez mais jovens.

O que faz com que milhões de mulheres de todas as faixas etárias e níveis sociais se sintam infelizes com o próprio corpo a ponto de se submeter a procedimentos invasivos, dolorosos e caros?

Não é preciso ser especialista para sentir o descontentamento feminino. As brasileiras são mundialmente conhecidas pelo apreço à estética e aos serviços realizados em salões de cabelereiro. Quase toda mulher gostaria de mudar algo em seu corpo, e o faria se tivesse a oportunidade. O mercado da cirurgia plástica apenas explora esse sentimento.

Basta uma rápida olhada nas revistas femininas, nos comerciais e programas de TV para perceber que o padrão de beleza imposto hoje não condiz com o da maioria das brasileiras.

Onde estão as mulheres de altura, peso, idade, formas, cabelos e cor de pele diferentes? A maioria anda por aí, insatisfeita. E esse descontentamento se reflete no corpo, mas vai além: sem se sentir bem com sua aparência física, é difícil sentir-se segura em outras áreas.

E insegura e insatisfeita, a mulher torna-se alvo fácil da indústria da beleza.

Difícil dizer para a mulher se afirmar, sentir-se bem com ela mesma quando toda a 
sociedade diz o contrário.


A diversidade é uma das características mais louváveis da humanidade. Se fôssemos todos iguais, perderíamos parte do encanto. Enquanto as mulheres deixarem padrões alheios determinarem sua aparência pouco avançaremos em relação à liberdade feminina.

*Texto publicado originariamente no site www.drauziovarella.com.br

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A clandestinidade financia as clínicas de aborto

No dia 14 de outubro de 2014, a polícia prendeu uma quadrilha acusada de praticar abortos no Rio de Janeiro. A investigação, que levou à prisão de mais de 50 pessoas entre médicos, enfermeiros e policiais, durou 15 meses. Estima-se que a organização faturasse mais de 2 milhões de reais por mês com os procedimentos.

A morte de Jandira M. dos Santos Cruz e de Elizângela Barbosa, após se submeterem a aborto no Rio, trouxe luz a um problema que ocorre há muito tempo: a proliferação de clínicas clandestinas de aborto, que atendem em péssimas condições de higiene e se aproveitam do momento de vulnerabilidade das pacientes.

Todo mundo sabe disso, incluindo a própria polícia. Ou acreditamos ser possível que clínicas realizem centenas de atendimento, movimentem milhões de reais e passem despercebidas pela polícia e pela sociedade?

Ao tratar do aborto e de outros temas tidos como polêmicos, o brasileiro age como as crianças pequenas quando fazem algo errado: esconde o problema e finge que ele não existe. Só que não há como empurrar para debaixo do tapete a morte de tantas mulheres.

Essas prisões, na verdade, só nos causam a falsa sensação de que estamos cuidando da questão. A mesma ideia, também falsa, que temos quando assistimos pela TV à prisão de jovens por tráfico de drogas. Sabemos que essas prisões de pouco adiantarão na resolução do narcotráfico, mas elas nos trazem a tranquilidade momentânea de que algo está sendo feito a respeito.

Enquanto, por motivos morais, não encararmos o problema de frente, pesarmos suas consequências e pensarmos em quais políticas adotar para realmente resolver a situação, essas prisões de nada adiantarão.

Jogar a questão do aborto na clandestinidade e fingir que não a vemos até nos chocarmos, de vez em quando, com a morte de  uma mulher que tinha a vida toda pela frente só serve para preservarmos os benefícios da nossa cegueira social.

Enfrentar a raiz dos problemas assumindo que as mulheres abortam, sim, e que em vez de financiarmos clínicas clandestinas que funcionam como organizações criminosas devemos oferecer-lhes atendimento digno pode não ser fácil.

Mas enterrar jovens que, desesperadas, caíram nas mãos dessas pessoas por total falta de escolha também não é.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Ciúme para quê?

Ah, um pouco de ciúme faz bem à relação, mostra que o parceiro nos ama. Quem nunca ouviu ou pensou que ciúme é sinal de amor? Acontece que isso não é verdade.

Ciúme nada tem a ver com amor, embora possa fazer parte dele. Faz mal, sempre, em qualquer quantidade. Para quem o sente, para seu objeto, para o relacionamento. Sentimento primitivo e incentivado pela sociedade, tão nocivo quanto o ódio. Porque implica posse.

Vejamos: não posso sentir ciúme de algo que não tenho. Posso desejar, cobiçar, invejar, mas não é possível ter ciúme daquilo que não é meu.

E ninguém é dono de ninguém, mesmo que pense o contrário. Nem de namorado, marido, mulher, nem de filho. Somos todos livres e devemos dispor da nossa liberdade; abrir mão dela é, além de perigoso, uma ação pouco corajosa, covarde, até.

Sem falar nas atrocidades cometidas e perdoadas em nome do ciúme. Quanta energia desperdiçada, quanto tempo perdido para tentar o impossível: controlar o outro.

Se nos entendermos, a nós e aos que fazem parte da nossa vida como seres livres, o esforço vão de tentar manter o outro sob nossa mira constante se torna desnecessário. E mesmo que sintamos medo de perder a pessoa amada, no fundo sabemos que o ciúme é destrutivo, responsável por aflorar o pior lado do ser humano.

É claro que não é fácil imaginar o ser amado nos braços de alguém, talvez, até mais interessante. Então sabe o quê? Não imagine. Não pense nisso. Não leva a nada.

Indivíduos livres ficam quando e onde querem, pelo tempo que querem, na companhia de quem desejam. Não é possível manipular o desejo alheio, pelo menos não por muito tempo. Quem o fizer, pagará caro depois, com a perda de própria liberdade e, muito provavelmente, da dignidade.

Devemos desfrutar a liberdade e uns dos outros enquanto for bom para todos. E permitir que as pessoas amadas também vivenciem sua liberdade. E sigam seu caminho, sejam ele qual for. Nisso consiste o verdadeiro amor.



domingo, 12 de outubro de 2014

Estupro: o álcool não é desculpa

Quem bebe demais fica com o julgamento comprometido e mais exposto a acidentes e comportamentos violentos. No caso das mulheres, além de lidar com a própria vulnerabilidade, elas têm de se preocupar com os homens, muitos deles conhecidos, a seu redor.

De acordo com o 2o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), divulgado este ano, o risco de estupro aumenta 3,6 vezes entre mulheres que exageram na bebida. Por que são tão comuns, no Brasil e no resto do mundo, casos de abuso sexual contra mulheres alcoolizadas?
As teorias para justificar o abuso são muitas: o homem estava sem condições de discernir entre o certo e o errado, a menina não conseguiu deixar claro que não queria a relação ou mudou de ideia.

No entanto, o estupro nessas condições esconde uma verdade: apesar de o álcool ser uma droga legalizada e de a sociedade permitir e até incentivar o consumo de bebida alcoólica, punimos a mulher que ousa beber.

Apesar do grande número de atendimentos a vítimas de estupro (só o Ambulatório de Violência Sexual do Hospital Pérola Byington, em São Paulo, atende cerca de 15 vítimas de abuso sexual por dia), sabemos que as mulheres não costumam denunciar seus estupradores.

Quando o estupro envolve álcool, então, a vítima tem muito mais dificuldade em fazer a denúncia, pois se sente culpada por não ter tido o comportamento que se esperava dela. Em casos que se tornam públicos, amigos e familiares também acusam a vítima, como se ela pudesse ser culpada por não ter conseguido se defender.

Toleramos o estupro nessas condições, afinal a mulher se expôs, não se opôs; estava, portanto, disponível.

O ato sexual deve implicar o consenso das partes envolvidas. Não importa se  bebeu demais, só a mulher pode dispor de seu corpo. Uma pessoa que tenha bebido além da conta não tem condições de dar ou não seu consentimento.

É preciso que fique claro: o álcool não é desculpa para a violência sexual. Fazer sexo com mulher embriagada é considerado, segundo a lei, estupro de vulnerável, um crime, portanto, que precisa ser denunciado. E seus autores, punidos.

•Texto originalmente publicado no site www.drauziovarella.com.br

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Amamentação e culpa

Para o bebê, não existe alimento mais completo que o leite materno. Ele contém todos os nutrientes essenciais para sua nutrição, além de fornecer anticorpos que o protegem contra uma série de doenças.

 A OMS (Organização Mundial da Saúde) orienta o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade e o complementar, que inclui outros alimentos, até os 2 anos.

A amamentação também fortalece o vínculo entre mãe e filho; não faltam, portanto, motivos para que seja estimulada e considerada uma maravilha da qual nenhuma mulher pode se privar.

Acontece que nem sempre amamentar é fácil, e isso é algo que nossas avós não nos contam. Há mães que, por motivos físicos ou emocionais, sofrem para conseguir amamentar os filhos. Levantamento feito em 2014 pela Lansinoh Laboratórios com mais de 13 mil mães e gestantes de nove países, incluindo o Brasil, revelou que muitas mulheres acham complicado amamentar: quando perguntadas sobre quais os desafios da amamentação, as brasileiras citaram como principais obstáculos a dor (47%), a obrigação de acordar no meio da noite (44%) e a dificuldade inicial para aprender a amamentar (33%); 21% das brasileiras têm vergonha de amamentar em público. Quase todas (93%), no entanto, se sentiram ou sentiriam culpadas caso não amamentassem, o maior índice entre os nove países.

A culpa e a maternidade costumam caminhar juntas, não apenas quando o assunto é amamentação. A mulher mãe se sente culpada por trabalhar fora, por ter pouco tempo para os filhos, por ter realizado determinado tipo de parto, por se separar do marido, por contratar babá, por colocar a criança em creche, a lista é infinita. A sociedade brasileira aceita e até mesmo incentiva que a mulher se sinta culpada por suas escolhas.

No caso da mãe que não consegue amamentar, não é diferente. Mesmo quando os motivos são inerentes a ela, a mulher sente que é menos “mãe” quando tem dificuldade para amamentar. Afinal, qual mãe não gostaria de dar ao filho o melhor alimento disponível, que além de alimentá-lo o fará crescer forte e saudável?

Sabemos que nem tudo sai como planejado, ainda mais quando envolve outra pessoa, no caso, o bebê. A culpa de pouco ou nada ajuda, em termos práticos. Cada mulher, cada mãe deve procurar o que funciona para ela e o filho, e buscar ajuda, se necessário. Manter-se calada ou, ao contrário, valorizar a opinião de qualquer um que se sinta no direito de dizer qual o melhor caminho a ser tomado quase nunca ajuda.


*texto originalmente publicado no site www.drauziovarella.com.br

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Regras do amor

Outro dia uma amiga me disse que seria capaz de matar o marido caso ele olhasse para outra. E ela falava sério; deu medo. Também não se permitia nenhum tipo de liberdade; conseguir sair para jantar com as amigas já era uma dificuldade. Perguntei se ela o amava. Claro que sim! E concordava com a vida que tinha? Ah, a gente acostuma. Mas sentia tesão quando estava com ele? Silêncio. Resolvi me calar para não constrangê-la ainda mais. 

Tem gente que se preocupa mais em seguir as regras do relacionamento, que, na maioria das vezes, nem sequer foram pensadas pelas pessoas envolvidas, do que com a própria relação. Para esses, saber que o parceiro é sexualmente fiel e que vai voltar no fim do dia é mais importante que os momentos compartilhados.

Mulheres são incentivadas a manter o marido a qualquer custo, e aguentam todo tipo de desamor e desaforo. Homens buscam uma esposa que cuide dos filhos (e, em alguns casos, também deles), mesmo que precisem saciar seus desejos em outras bandas (sem que a mulher saiba ou possa fazer a mesma coisa, claro).

Em que momento as regras se tornam mais importantes que as próprias relações?

Parece tudo muito óbvio: a gente conhece alguém de que goste, namora, se casa, tem filhos, os dois se mantêm fiéis e se amam até o fim da vida. Simples e perfeito.

Espera, ninguém pensa diferente? Ninguém pensou, por exemplo, em casar e depois namorar ou ter filhos e não casar? Sei lá, somos tão diferentes em tantos aspectos, como então existe apenas um modelo de relacionamento que todos devem seguir? Será? 

É claro que existem outros modelos, e todos conhecemos pessoas que os seguem. Apenas não falamos nem pensamos muito a respeito, quando muito os julgamos em rodinhas de amigos, e continuamos ensinando nossos filhos, principalmente filhas, que o modelo de amor romântico é o único a ser seguido, e que serve para todo mundo.


A verdade: não serve. Um monte de gente não se adapta a esse modelo e busca alternativas que funcionem para si. E é preciso coragem para se questionar e descobrir do que gosta. Nisso reside a verdadeira liberdade.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Aborto: um problema de saúde pública

Algumas pessoas acham que o aborto deve continuar sendo proibido, outras, que deve ser legalizado.

Cada um tem seus próprios argumentos para defender sua posição, e dificilmente um lado um dia conseguirá convencer o outro, tornando o consenso algo praticamente impossível de atingirmos. Não que isso represente um problema, pois, na verdade, a opinião pessoal pouco importa quando tratamos dessa questão. E por quê?

Porque as mulheres já abortam, independentemente do que pensemos. Segundo o IAG, Instituto Alan Guttmacher, entidade americana que estuda a questão do aborto no mundo, cerca de 1 milhão de mulheres abortam no Brasil todos os anos. As católicas e as evangélicas abortam; as loiras, as morenas, as afrodescendentes, as pobres, as ricas, as adolescentes, as casadas, as que saem com vários parceiros, as que tiveram apenas uma relação sexual na vida e as que são mães, também. E vão continuar abortando, pois a decisão de interromper uma gravidez é pessoal e envolve várias questões que não podemos controlar.

Mas se as opiniões pessoais não importam, como tratar o problema?

As medidas de saúde pública adotadas pelo Estado levam em consideração, entre outros aspectos, o art. 196 da Constituição da República Federativa do Brasil, que afirma que o Estado tem o compromisso com a tomada de medidas políticas, sociais e econômicas no sentido de promover e recuperar a saúde da população, de modo a reduzir os agravos que causem mal à coletividade.

Então, relacionemos cada um desses aspectos com a criminalização do aborto, a começar pelos políticos: temos uma lei da década de 1940 que não atende mais às necessidades da sociedade, pois considera crime o abortamento provocado, pela própria gestante e/ou terceiros, cuja pena varia de 1 a 4 anos de cadeia. Impensável punir com detenção milhares de mulheres e pessoas que ajudam na indução do aborto quando mal damos conta dos crimes mais graves.

Agora vejamos a questão social. Vivemos em um país extremamente desigual, e essa disparidade aparece quando analisamos o aborto no Brasil. As moças e mulheres que podem pagar até cerca de 5 mil reais pelo procedimento conseguem realizá-lo com um mínimo de segurança do ponto de vista médico. As pobres, infelizmente, estão sujeitas a todo tipo de agressão física e psicológica a que a situação clandestina lhes inflige. Entretanto, todas correm riscos ao se submeterem ao procedimento, como mostra a morte trágica e recente de Jandira dos Santos Cruz e Elisângela Barbosa, ambas no Rio de Janeiro.

Do ponto de vista econômico, segundo o ginecologista Jefferson Drezett, coordenador do Ambulatório de Violência Sexual e de Aborto Legal do Hospital Pérola Byington, em São Paulo, “os recursos que gastamos para tratar as graves complicações do aborto clandestino são muito maiores que os recursos de que precisaríamos para atender as mulheres dentro de um ambiente seguro e minimamente ético e humanizado”.

Outro argumento bastante utilizado por quem é contra a descriminalização do aborto é que as mulheres iriam passar a adotá-lo como método anticoncepcional. Ainda segundo o dr. Drezett, “em quase trinta anos de ginecologia, não conheci uma única mulher que quisesse experimentar uma gravidez indesejada para saber se é bom fazer um abortamento. Usar esse argumento é tratar a mulher como estúpida”. Bem, é o que temos feito em larga escala.

Portanto, quem é contra o aborto tem uma saída simples: não o pratique. Ninguém é nem nunca será obrigado a abortar. Por outro lado, a mulher deve ser dona do próprio corpo e ter o direito de decidir se deseja ou não seguir com uma gravidez. E, acima de tudo, como cidadã, tem o direito de ser amparada, acolhida e cuidada qualquer que seja sua decisão.


*texto originariamente publicado no site www.drauziovarella.com.br