quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Estupros e abusos em transportes privados: empresas também são responsáveis

Qualquer mulher que já tenha ficado sozinha em um carro com um homem desconhecido conhece o medo de se tornar mais uma das inúmeras vítimas de abusos sexuais ou de estupro.

Não à toa, muitas mulheres desenvolvem técnicas para não demonstrar nenhuma simpatia que possa ser entendida como consentimento para uma intimidade forçada, como não tirar os olhos do celular e responder monosilabicamente apenas quando não houver alternativa. Há quem envie a placa do carro para um parente e até quem simule uma conversa com um namorado imaginário no telefone, para se sentir protegida.

No entanto, nenhuma estratégia evitou os incontáveis casos de abuso físico, verbal e sexual e de estupro envolvendo motoristas de transportes privados no mundo todo.  São histórias de assédio durante as corridas, de motoristas que violam os códigos de segurança e mandam mensagens para as usuárias, de violências físicas e sexuais.


A empresa americana Uber é a que mais coleciona ocorrências no mundo. De 2012 a 2015, foram mais de 6 mil denúncias de agressões sexuais contra seus motoristas colaboradores. O ex-presidente da multinacional, Travis Kalanick, renunciou ao cargo em junho deste ano, após acusações de funcionárias acerca do sexismo reinante na empresa.

O machismo (e tudo que ocorre em decorrência dele) é um fenômeno estrutural. Nenhuma mulher está de fato segura em nenhum lugar. Abusos sexuais ocorrem em universidades, escolas, transportes, empresas e até dentro de casa. São praticados por desconhecidos e conhecidos. Por ser um problema que atinge toda a sociedade, todos deveriam se envolver na sua solução.

Embora punir o agressor seja essencial, não é o bastante. É preciso que a sociedade condene veementemente essas formas de abuso, que não as tolere. Para isso, as escolas, as universidades, as empresas, todos devem assumir sua responsabilidade na prevenção de novos casos.

As empresas de transporte privado e as que operam aplicativos, assim como as Prefeituras que concedem alvarás para taxistas não têm feito o suficiente. Afastar o motorista após a denúncia é o mínimo, mas não é tudo. É preciso que se invista em prevenção, em mecanismos para facilitar e apurar as denúncias e, acima de tudo, em políticas firmes e eficazes que desencorajem abusos sexuais.

Assédios, abusos e estupros são um problema de todos nós. No entanto, parece que apenas as mulheres se preocupam em evitá-lo, por meio de estratégias individuais que, por mais que nos esforcemos, não garantem nossa segurança. Não há nada mais injusto e cruel do que deixar o problema em nossas mãos.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Denúncias de abuso e as redes sociais

Têm surgido na internet denúncias e desabafos de mulheres que se sentiram vítimas de relacionamentos abusivos. A reação a isso gerou controvérsia. Minha opinião a respeito:

1) Na nossa sociedade, os homens ainda detêm o poder em muitas esferas: econômica, social, política etc. Não é preciso muito esforço para entender que essa desigualdade se dá também na imensa maioria das relações amorosas heterossexuais, que acabam sendo palco de inúmeros abusos, alguns mais óbvios e violentos, outros mais sutis. Se isso é verdade, também é fato que temos poucos mecanismos para lidar com o problema, principalmente no que diz respeito às violências menos óbvias, que não são passíveis de penalizações legais.

Conheço algumas mulheres que escreveram sobre seus relacionamentos e muitas, muitas outras que viveram e vivem essas relações de poder dentro da esfera íntima. Por acompanhar muitos desses casos e por eu mesma ter vivido algumas situações em que o poder masculino se mostrou mais sutil, mas não menos devastador é que compreendo que cada mulher vítima de situações abusivas lida com isso a seu tempo, da forma que consegue.


Muitas mulheres e meninas estão se amparando nesses relatos, identificando padrões abusivos em seus próprios relacionamentos, encontrando outras mulheres em quem buscar ajuda. Isso é muito importante.

Não me sinto em condições de avaliar a forma como cada mulher lida com a questão e muito menos de dizer se seu relato é ou não legítimo. Não julgá-las é minha opção pessoal.

2) Para mim, o importante é como a sociedade vai lidar com as denúncias. Acho primordial entendermos que o machismo é um problema estrutural e macro e discuti-lo dentro desse contexto.

Vejam, não estou dizendo que perpetuadores de atitudes e comportamentos violentos não devam ser punidos, responsabilizados ou repreendidos, e compreendo que alguns tipos de intimidação de fato funcionam. 

No entanto, demonizar esses homens pode ter efeito contrário:  transformá-los em exceção mesmo sabendo que esses casos não são raros, tampouco isolados.

Portanto, creio que ganharíamos mais discutindo a questão do machismo nas relações íntimas como um problema estrutural que atinge, em graus muito diferentes, é bom salientar, quase todos os casais heterossexuais que conheço. 

3) Machismo é um problema que diz respeito aos homens. É importante que eles discutam masculinidades, que repreendam atitudes machistas em seus amigos e colegas, que entendam de uma vez por todas que são eles que devem mudar e assumir uma postura ativa nesse sentido. Acredito mesmo que boa parte dos homens esteja disposta a mudar e que isso seja possível, mas a mudança não está nas mãos das mulheres, ela não é tarefa nossa. 

4) Por fim, é preciso cuidado com a falsa simetria. Você pode até questionar se é legal ou não esculachar alguém na internet (pessoalmente, prefiro outras formas de atuação), mas isso não é “linchamento”. Comparar as mulheres e meninas que xingam na internet a linchadores é no mínimo injusto.