sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Mamilos



Em muitos estados americanos, as mulheres não podem mostrar os mamilos em local púbico, nem mesmo para amamentar o filho, sob pena de multa e, em alguns casos, cadeia. Os homens, por sua vez, podem exibir o tronco desnudo sem nenhum problema em campanhas publicitárias, por exemplo, e andar sem camisa em público desde 1936.


É claro que mulheres e homens têm diferenças anatômicas; no entanto, nada justifica o fato de os mamilos femininos serem erotizados, enquanto os masculinos não. Quem decidiu isso? Por que as mulheres têm de amamentar os filhos escondidas e usar sutiãs apertados e desconfortáveis que disfarcem os seios?


Foi esse tipo de questionamento que motivou o movimento americano “Free the Nipple” [mamilo livre, em tradução livre]. A deia do projeto não é pregar que mulheres sejam forçadas a tirar a roupa e exibir os seios, mas que elas tenham o direito de dispor do próprio corpo como quiserem. E mais: que seu corpo não seja visto como objeto sexual quando não for essa sua intenção.


Já temos a versão brasileira do movimento, o projeto "Mamilo Livre", desenvolvido pela fotógrafa Júlia Rodrigues e pela psicóloga Letícia Bahia. A ideia principal do projeto é fazer com que a sociedade reflita o quão ridículo (a palavra foi escolhida por mim) é termos normas de comportamento diferentes para homens e mulheres. Os mamilos, segundo especialistas em sexualidade, não são zonas mais erógenas do que outras partes do corpo que homens e mulheres exibem sem sentir vergonha.


O que torna os mamilos femininos tão indignos de ser mostrados? O tamanho? Não, sabemos que há homens com mamas maiores que as de muitas mulheres. Além disso, isso não justificaria o fato de meninas pequenas serem obrigadas a usar a parte de cima do biquíni em clubes e academias. Ou de pré-adolescentes cujas mamas estão apenas começando a se desenvolver terem de usar sutiãs para que seus mamilos não apareçam sob a camiseta da escola (toda mulher se lembra bem dessa fase e de como os meninos podem ser cruéis).


Por que perder tempo com uma questão tão irrelevante?, perguntarão os ingênuos. Há tanta coisa mais importante na luta por direitos iguais para homens e mulheres. É verdade, mas para avançarmos nessa luta também é essencial pensar nos motivos que levam à sexualização do corpo feminino; no fato de que apenas insinuá-lo sob a roupa já é motivo para permitir que homens desconhecidos mexam com as mulheres nas ruas; de que há mulheres que amamentam em banheiros públicos, locais que obviamente têm condições precárias de higiene, apenas para não mostrar os seios; de que as mulheres são levadas desde pequenas a cobrir os mamilos para evitar constrangimento; a usar sutiãs com bojo, arame, espuma e o diabo a quatro para que os seios adquiram formas que não são nada naturais; que muitas vivem infelizes porque seu seio não tem o formato nem o tamanho que a moda considera ideais.


Pensem nisso. E verão que o movimento “Mamilo Livre” não é apenas pelo direito de mostrar ou não os mamilos. É, antes e acima de tudo, uma luta por igualdade de gênero.

*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"

domingo, 13 de setembro de 2015

Educação contra o machismo


Todo mundo conhece uma mulher que já foi vítima de abuso em locais públicos, independentemente da sua idade, nível social ou aparência. Quando paramos um minuto para ouvir seu relato, quase sempre escutamos frases do tipo: “E olha que meu vestido ia até o joelho”, “Naquela ocasião, eu nem usava maquiagem!”, “Eu estava a caminho do trabalho, era de dia” ou ainda “Juro que não olhei para o rapaz”. Essas justificativas são usadas como tentativa de se explicar, de deixar bem claro que a vítima não teve culpa, de que foi apenas... bem, vítima.


Para tentar coibir os abusos, algumas cidades brasileiras lançaram campanhas contra o assédio no transporte público que incluem peças publicitárias e até a adoção do chamado “vagão rosa”, destinado apenas às mulheres, embora, pasmem!, elas sejam a maioria dos usuários do metrô. Esse tipo de segregação colabora para a cultura de culpabilização da vítima e encoraja abusos nos vagões comuns, sob o pretexto de que as mulheres assumem o risco quando decidem ocupar o espaço que não lhes é destinado.


Além de inúteis, as medidas dão a falsa impressão de que estamos agindo para acabar com o assédio e o abuso em locais públicos quando, de fato, estamos enxugando gelo.


A melhor maneira de diminuir os abusos sexuais é por meio da educação. Por isso é tão importante discutir a questão de gênero nas escolas, tema que encontra resistência por parte dos conservadores, que fazem de tudo para impedir a inclusão do tema nos Planos de Educação. A discussão sobre igualdade e identidade de gênero deve fazer parte do currículo e do planejamento pedagógico de todas as escolas do país.


Meninos e meninas precisam ter as mesmas oportunidades e participar de projetos interdisciplinares que abordem questões como homofobia, racismo, sexismo e identidade de gênero, sempre enfatizando o respeito ao indivíduo. É mais do que necessário que as crianças e jovens discutam essas questões: é imprescindível e inadiável.


Por que será que os conservadores têm tanto medo de que se trabalhe a igualdade de gênero nas escolas? Por acaso receiam que os meninos passem a realizar tarefas domésticas como lavar louça e arrumar a própria cama? Ou que os garotos aprendam desde cedo a respeitar as opiniões e as vontades de outros seres humanos?


Entre outros temores, os conservadores têm medo, na verdade, de que as mulheres adquiram ferramentas para exigir direitos e, como consequência, ofereçam perigo à ordem patriarcal que impera na sociedade. Pelo mesmo motivo, não gostaram do “kit anti-homofobia”, que visava discutir homofobia nas escolas, e evitam que temas caros às minorias façam parte do currículo escolar.


Se os conservadores têm culpa, nós, como sociedade, também temos. Porque aceitamos que eles mandem em nossos filhos, que interfiram em sua educação e continuem perpetuando o machismo e o preconceito. A educação é a melhor ferramenta para construir uma sociedade mais justa e igualitária, em que seus cidadãos se respeitem e saibam conviver com as diferenças. Resta saber se temos, de fato, interesse em criar uma sociedade assim.

*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O tabu do aborto


Hoje foi divulgada a notícia de que o Papa Francisco vai dar permissão para todos os padres perdoarem as mulheres que fizerem aborto e buscarem clemência. Atualmente, a Igreja Católica excomunga automaticamente todas as mulheres que passam pelo procedimento.

Atitude louvável, a do Papa. Ele tenta, aqui, fazer aquilo que o Brasil se recusa: olhar para os milhões de mulheres que, todos os anos, passam por um aborto provocado não como criminosas, mas como seres humanos que merecem cuidado.

Na verdade, a Igreja não está em condições de agir de modo diferente, se formos considerar os séculos de opressão exercida contra as mulheres. Mesmo assim, melhor essa atitude do Papa do que a anterior.

Nunca conheci ninguém que fosse favorável ao aborto, que achasse que a decisão de interromper uma gravidez fosse fácil ou bacana. É uma solução extrema. Mesmo assim, as mulheres abortam. E o fazem por motivos variados e independentemente do que achamos. Segundo o IAG (Instituto Alan Guttmacher), entidade americana que estuda a questão do aborto no mundo, cerca de 1 milhão de mulheres abortam todos os anos no Brasil.

É muita gente. A criminalização do aborto não faz com que as mulheres não abortem; faz apenas com que corram risco de vida (uma mulher morre a cada dois dias no país devido a complicações de aborto inseguro, segundo a OMS).

Sugiro, aqui, que façamos um exercício e nos coloquemos por um minuto no lugar dessas mulheres.

Por descuido ou acaso, você engravidou, mas não deseja ou não pode prosseguir com a gravidez. Você não tem recursos financeiros, não tem parceiro fixo, acha que ainda não tem idade suficiente para arcar com um filho, não importa o motivo que a levou a não desejar a gravidez, você não quer ou não pode seguir adiante.

O que fazer? A quem procurar? Como o aborto é crime, você será considerada criminosa se buscar um hospital ou serviço de saúde para pedir ajuda.

Você então vai atrás de informações por conta própria, e nesse processo tudo pode acontecer. Sem orientação de um especialista, que você não sabe onde encontrar e talvez nem tenha dinheiro para pagar, você reza para não morrer.

Sei que muitos vão dizer: “Então por que fez sexo, se não pode arcar com as consequências?”. Bom, então deveríamos tratar desse modo quem pega sífilis, gonorreia, HPV e outras doenças sexualmente transmissíveis. Afinal, contrair uma DST é um risco que todos que fazem sexo correm, mas apenas uma minoria, creio, deseja que as pessoas não tenham direito a um tratamento médico decente.

No entanto, condenamos milhares de mulheres aos riscos que um aborto inseguro implica. Não lhe oferecemos nenhuma alternativa, nenhum tratamento, nenhum amparo. Será que agiríamos assim se fossem os homens que engravidassem?

A verdade é que, assim como contrair uma DST, engravidar é um risco que quem faz sexo corre. E da mesma forma que uma pessoa não deve ser punida e esquecida porque contraiu uma doença, seja qual for, uma mulher que não deseja a gravidez também não deve ser abandonada à própria sorte.

A ideia de que as mulheres devem ser castigadas porque fazem sexo por prazer é tão antiga que é difícil acreditar que ainda nos deixemos levar por ela. Pior, que estruturemos nossa sociedade e nossos valores com base nela.

Por isso, gostaria de dizer ao Papa que nós, mulheres, não necessitamos de perdão. Precisamos e merecemos um Estado que ofereça serviço médico e garanta acesso à saúde e aos direitos reprodutivos. Em suma, merecemos respeito, cuidado e dignidade.

*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"