sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O tabu do aborto


Hoje foi divulgada a notícia de que o Papa Francisco vai dar permissão para todos os padres perdoarem as mulheres que fizerem aborto e buscarem clemência. Atualmente, a Igreja Católica excomunga automaticamente todas as mulheres que passam pelo procedimento.

Atitude louvável, a do Papa. Ele tenta, aqui, fazer aquilo que o Brasil se recusa: olhar para os milhões de mulheres que, todos os anos, passam por um aborto provocado não como criminosas, mas como seres humanos que merecem cuidado.

Na verdade, a Igreja não está em condições de agir de modo diferente, se formos considerar os séculos de opressão exercida contra as mulheres. Mesmo assim, melhor essa atitude do Papa do que a anterior.

Nunca conheci ninguém que fosse favorável ao aborto, que achasse que a decisão de interromper uma gravidez fosse fácil ou bacana. É uma solução extrema. Mesmo assim, as mulheres abortam. E o fazem por motivos variados e independentemente do que achamos. Segundo o IAG (Instituto Alan Guttmacher), entidade americana que estuda a questão do aborto no mundo, cerca de 1 milhão de mulheres abortam todos os anos no Brasil.

É muita gente. A criminalização do aborto não faz com que as mulheres não abortem; faz apenas com que corram risco de vida (uma mulher morre a cada dois dias no país devido a complicações de aborto inseguro, segundo a OMS).

Sugiro, aqui, que façamos um exercício e nos coloquemos por um minuto no lugar dessas mulheres.

Por descuido ou acaso, você engravidou, mas não deseja ou não pode prosseguir com a gravidez. Você não tem recursos financeiros, não tem parceiro fixo, acha que ainda não tem idade suficiente para arcar com um filho, não importa o motivo que a levou a não desejar a gravidez, você não quer ou não pode seguir adiante.

O que fazer? A quem procurar? Como o aborto é crime, você será considerada criminosa se buscar um hospital ou serviço de saúde para pedir ajuda.

Você então vai atrás de informações por conta própria, e nesse processo tudo pode acontecer. Sem orientação de um especialista, que você não sabe onde encontrar e talvez nem tenha dinheiro para pagar, você reza para não morrer.

Sei que muitos vão dizer: “Então por que fez sexo, se não pode arcar com as consequências?”. Bom, então deveríamos tratar desse modo quem pega sífilis, gonorreia, HPV e outras doenças sexualmente transmissíveis. Afinal, contrair uma DST é um risco que todos que fazem sexo correm, mas apenas uma minoria, creio, deseja que as pessoas não tenham direito a um tratamento médico decente.

No entanto, condenamos milhares de mulheres aos riscos que um aborto inseguro implica. Não lhe oferecemos nenhuma alternativa, nenhum tratamento, nenhum amparo. Será que agiríamos assim se fossem os homens que engravidassem?

A verdade é que, assim como contrair uma DST, engravidar é um risco que quem faz sexo corre. E da mesma forma que uma pessoa não deve ser punida e esquecida porque contraiu uma doença, seja qual for, uma mulher que não deseja a gravidez também não deve ser abandonada à própria sorte.

A ideia de que as mulheres devem ser castigadas porque fazem sexo por prazer é tão antiga que é difícil acreditar que ainda nos deixemos levar por ela. Pior, que estruturemos nossa sociedade e nossos valores com base nela.

Por isso, gostaria de dizer ao Papa que nós, mulheres, não necessitamos de perdão. Precisamos e merecemos um Estado que ofereça serviço médico e garanta acesso à saúde e aos direitos reprodutivos. Em suma, merecemos respeito, cuidado e dignidade.

*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"