quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A clandestinidade financia as clínicas de aborto

No dia 14 de outubro de 2014, a polícia prendeu uma quadrilha acusada de praticar abortos no Rio de Janeiro. A investigação, que levou à prisão de mais de 50 pessoas entre médicos, enfermeiros e policiais, durou 15 meses. Estima-se que a organização faturasse mais de 2 milhões de reais por mês com os procedimentos.

A morte de Jandira M. dos Santos Cruz e de Elizângela Barbosa, após se submeterem a aborto no Rio, trouxe luz a um problema que ocorre há muito tempo: a proliferação de clínicas clandestinas de aborto, que atendem em péssimas condições de higiene e se aproveitam do momento de vulnerabilidade das pacientes.

Todo mundo sabe disso, incluindo a própria polícia. Ou acreditamos ser possível que clínicas realizem centenas de atendimento, movimentem milhões de reais e passem despercebidas pela polícia e pela sociedade?

Ao tratar do aborto e de outros temas tidos como polêmicos, o brasileiro age como as crianças pequenas quando fazem algo errado: esconde o problema e finge que ele não existe. Só que não há como empurrar para debaixo do tapete a morte de tantas mulheres.

Essas prisões, na verdade, só nos causam a falsa sensação de que estamos cuidando da questão. A mesma ideia, também falsa, que temos quando assistimos pela TV à prisão de jovens por tráfico de drogas. Sabemos que essas prisões de pouco adiantarão na resolução do narcotráfico, mas elas nos trazem a tranquilidade momentânea de que algo está sendo feito a respeito.

Enquanto, por motivos morais, não encararmos o problema de frente, pesarmos suas consequências e pensarmos em quais políticas adotar para realmente resolver a situação, essas prisões de nada adiantarão.

Jogar a questão do aborto na clandestinidade e fingir que não a vemos até nos chocarmos, de vez em quando, com a morte de  uma mulher que tinha a vida toda pela frente só serve para preservarmos os benefícios da nossa cegueira social.

Enfrentar a raiz dos problemas assumindo que as mulheres abortam, sim, e que em vez de financiarmos clínicas clandestinas que funcionam como organizações criminosas devemos oferecer-lhes atendimento digno pode não ser fácil.

Mas enterrar jovens que, desesperadas, caíram nas mãos dessas pessoas por total falta de escolha também não é.