quarta-feira, 15 de abril de 2015

Quem são as mulheres que abortam?

Desde que defendi abertamente a legalização do aborto, muitas mulheres, conhecidas ou não, passaram a me procurar para pedir indicação de médicos que realizem o procedimento com o mínimo de segurança. Não falo de duas, seis mulheres, mas de dezenas.

Sei que fenômeno semelhante ocorre com outras mulheres que, como eu, são favoráveis à descriminalização do aborto.

Fico pensando o que leva uma pessoa a procurar uma desconhecida para ajudá-la em momento tão delicado da vida, quem é ela, como veio parar nessa situação.

Segundo dados apresentados no seminário “Mídia e Aborto”, organizado em abril deste ano pelo Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA), uma em cada cinco mulheres de 40 anos já abortou. 

O perfil das mulheres que me procuram é variado: são moças casadas, solteiras, com parceiro fixo ou não, muito jovens, mais velhas, ricas, pobres, com ou sem filhos, brancas, negras, religiosas ou não. Em comum, todas trazem consigo o medo e uma vulnerabilidade extrema. A imensa maioria está sozinha, quando muito conta com o apoio de uma amiga ou do parceiro.

Portanto, com base nos dados e na minha experiência e na de outras pessoas que ousam falar sobre aborto, afirmo sem a menor dúvida que essas mulheres não são as outras, como gostamos de imaginar, mas, ao contrário, somos todas nós.

Elas poderiam confiar em um médico que as amparasse e acolhesse, que lhes desse informações seguras sobre como proceder diante de uma gravidez indesejada, que lhes apresentasse todos os caminhos possíveis e, eventualmente, as acompanhasse durante e depois do procedimento, indicando-lhes como agir no futuro para que não engravidassem sem querer novamente.

Todavia, na falta de opção, recorrem a amigas e desconhecidas em quem, imaginam, podem confiar e encontrar o mínimo de apoio.

Sugiro, aqui, que façamos um exercício e nos coloquemos por um minuto apenas no lugar dessas mulheres.

Por descuido ou acaso, você engravidou, mas não deseja ou não pode seguir com a gravidez. Você não tem recursos, não tem parceiro fixo, acha que ainda não tem idade suficiente para arcar com um filho, não importa o motivo que a levou a não desejar a gravidez, você não quer ou não pode seguir adiante.

O que fazer? A quem procurar? Como o aborto é crime, você será considerada criminosa se buscar um hospital ou serviço de saúde para pedir ajuda.

A você, então, só resta procurar amigos e familiares. Nem todas, porém, podem contar com uma rede de apoio, por motivos variados.

Sozinha, você vai atrás de informações por conta própria, e nesse processo tudo pode acontecer. Sem orientação de um especialista, que você não sabe onde encontrar e talvez nem tenha dinheiro para pagar, você reza para não morrer.

Sei que muitos vão dizer: “então por que fez sexo se não pode arcar com as consequências?”. Bom, então deveríamos tratar desse modo quem contrai sífilis, gonorreia, HPV e outras doenças sexualmente transmissíveis. Afinal, contrair uma DST é um risco que todos que fazem sexo correm, mas apenas uma minoria, creio, deseja que as pessoas não tenham direito a um tratamento médico decente.

No entanto, condenamos milhares de mulheres aos riscos que um aborto inseguro implica. Não lhe oferecemos nenhuma alternativa, nenhum tratamento, nenhum amparo.

A verdade é que, assim como contrair uma DST, engravidar é um risco de quem faz sexo. E da mesma forma que uma pessoa não deve ser punida e esquecida porque contraiu uma doença, seja ela qual for, uma mulher que não deseja a gravidez também não deve ser abandonada à própria sorte.

A ideia de que as mulheres devem ser castigadas porque fazem sexo por prazer é tão antiga que é difícil acreditar que ainda nos deixemos levar por ela. Pior, que estruturemos nossa sociedade e nossos valores com base nela.

O Estado que não oferece serviço médico a mulheres que engravidam sem desejar não cumpre seu papel, pois é sua obrigação garantir acesso à saúde e aos direitos reprodutivos da mulher. E se o Estado falha, falhamos todos ao aceitar sua omissão.