terça-feira, 4 de agosto de 2015

Machismo e nossas filhas


Toda mulher nasce exposta ao machismo, embora em graus diferentes. Quando pequenas, mandam-nos tomar cuidado para não mostrarmos a calcinha por baixo do vestido. Não nos deixam sentar de perna aberta, ensinam-nos a nos comportar, a não usar roupa muito curta, a não ceder aos meninos e nos proteger dos homens, como se eles fossem todos uns tarados prontos para nos agarrar.


Então a gente cresce. E, bem ou mal, aprende a se defender das cantadas, dos preconceitos e julgamentos morais, e tenta reconstruir a autoestima e a autoconfiança que foram minadas durante anos e anos, em um processo que tem sido bastante útil à sociedade patriarcal.


De repente a gente tem filhas. E vê que embora tenhamos aprendido a nos defender e nos impor, nada nos preparou para enfrentar o machismo que vitima uma filha. Nada.


Semana passada, minha caçula brincava na piscina usando apenas a parte de baixo do biquíni. A salva-vidas, uma mulher jovem, pediu que colocássemos uma camiseta nela para protegê-la dos meninos e homens que dividiam a piscina conosco. Minha filha tem apenas 5 anos.


Estávamos em outro país, mas a situação bem poderia ter acontecido no Brasil, onde cenas parecidas de sexualização precoce de meninas ocorrem diariamente.


Não pretendo julgar a mulher. Não a conheço, não sei por quais situações passou para pedir algo tão sem sentido. Também acredito que sua intenção fosse mesmo proteger minha filha, por mais absurdo que isso possa parecer. Para mim, ela é tão vítima quanto minha menina.


A força, a coragem, a rebeldia desaparecem quando a vítima é aquela criaturinha tão amada, criada para ter força, mas ainda despreparada para enfrentar o preconceito. A gente se sente desamparada, frágil. E com raiva, muita raiva.


Na hora fiquei paralisada. Não sabia o que fazer. Senti uma tristeza enorme por mim, por minha filha, por aquela mulher. Acreditem, não foi nada fácil entender e assumir que apesar de hoje saber me defender relativamente bem do machismo, ainda não estou pronta para proteger minhas filhas.


No fim, o pai da minha filha se negou a pôr a parte de cima do biquíni nela e disse que o pedido não tinha cabimento, que se algum homem se sentisse atraído pelo peito desnudo de uma menina de 5 anos, quem teria um problema seria ele, não ela.


Negar-nos a ceder à pressão para vestir o biquíni foi mais que um ato de resistência: foi uma demonstração de que mulheres e homens devem combater o machismo, não podem engolir quietos que tratem as meninas desse modo.


Sempre que se aponta um preconceito, aparece alguém para chamar a denuncia de “vitimização” ou dizer que o ocorrido não foi tão grave assim, em uma tentativa frustrada de deslegitimá-lo. Meu recado para essas pessoas: não ensino minhas filhas e sobrinhas a ser vítimas, mas a olhar o que está errado, a questionar, a lutar contra os preconceitos e procurar jamais reproduzi-lo contra os outros. Ensino-as, também, a escutar as pessoas e a ter empatia por seu sofrimento, mesmo que não o compreendam bem.

Para as gerações que já estão aqui e para as novas que virão, só posso torcer e lutar para que o mundo melhore. Pois por mais que certos hábitos, atitudes e costumes sejam diferentes dos seus e dos meus, todos merecem respeito, desde a infância até a velhice.

*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"