terça-feira, 27 de outubro de 2015

Tamos juntas!

Passei a adolescência e parte da vida adulta tendo mais amigos homens do que mulheres. Achava-os muito mais legais, mais divertidos, mais livres. As mulheres, por sua vez, eram fofoqueiras, competitivas, fúteis, cheias de regras sobre o que fazer, sobre como se comportar.

Eu me sentia muito bem cercada pelos meninos, só era preciso relevar os comentários sexistas que surgiam de vez em quando. Não queria falar sobre assuntos “de menina”: homens, namoros, roupas, filhos futuros que eu nem sabia se teria, dietas, sobre como fulana era gorda ou como a menina da classe ao lado não se dava ao respeito e transava com todo mundo. Com os meninos, conversava sobre política, sobre viagens, sobre baladas, sobre o mundo. Eles eram livres, as meninas não, e eu queria ser livre. Simples assim.

Na verdade, eu não percebia que passava o tempo todo querendo agradar e ser aceita pelos meninos. E não enxergava o quanto era ofensivo quando me diziam que eu era diferente, que era liberal, que nem parecia menina. Eu simplesmente não falava sobre questões que eram importantes para mim, mas que não tinha condições de compartilhar com os meninos porque eles não passavam pelo que eu passava. Em resumo, para ser aceita como a menina gente boa da galera, eu anulava minhas próprias vivências.

Com o tempo, fui percebendo como é perversa a ideia de que as mulheres são superficiais, competitivas, de que a amizade entre elas nunca pode ser autêntica. Na verdade, aprendemos a competir, a nos ver como inimigas, a nos julgar porque acreditamos na rede de comportamentos, deveres e condutas que a sociedade tece e nos impõe para que sejamos aceitas e cumpramos o papel secundário que nos foi designado. As que têm a ousadia de se negar a isso são julgadas por todos, inclusive pelas próprias mulheres. As que elevam a voz contra a sociedade, são taxadas de loucas, neuróticas, histéricas, qualquer ofensa que vise silenciá-las e desacreditá-las.

Passei as últimas semanas acompanhando minha filha no hospital. Vivi momentos de terror. E fui amparada por uma rede de mulheres incríveis: parentes, amigas íntimas e outras nem tanto, enfermeiras, médicas, mães, pessoas que nem sequer conhecia. Foi lindo ver como as mulheres podem ser fortes juntas, como somos maravilhosas quando nos despojamos do preconceito e do ódio que nos ensinaram a sentir umas pelas outras, quando compartilhamos experiências, dores e sorrisos.

Continuo amiga dos homens. Tenho amigos extraordinários. Mas não tento mais ser como eles nem agradá-los. Sou mulher, vivo questões que não lhes dizem respeito e minha história não se aproxima nem de longe da deles.

Pelos homens do meu círculo de amizade sinto carinho, respeito, admiração, amor. Mas são as mulheres que dividem comigo as vivências de uma sociedade patriarcal que tolhe nossa liberdade, que nos nega direitos, que tenta nos impor modelos de conduta que não nos cabem, que sabem, em suma, onde aperta nosso sapato. É com elas que me identifico, é a elas que ofereço meu olhar mais compassivo, aquele que diz, mesmo em silêncio, “tamos juntas”.

*Texto originalmente publicado na página "Quebrando o Tabu"