terça-feira, 9 de agosto de 2016

Relativização da violência contra a mulher

“Eu queria primeiro deixá-la ciente do quanto ela prejudicou minha carreira. [...] Presenciei tudo e sei o quanto estávamos em clima de descontração. Errei por ter feito as brincadeiras que fiz com uma pessoa que não conheço”, disse MC Biel à RedeTV! sobre o episódio de assédio a uma jornalista protagonizado por ele, em maio deste ano.

Além de tentar inverter o jogo fazendo-se de vítima, Biel relativiza a violência do assédio, dizendo que fez uma “brincadeira”. Se assim fosse, a moça que o denunciou, além de ser mal-intencionada por tentar acabar com a carreira do rapaz, ainda não teria senso de humor.

Há quarenta anos, o playboy Doca Street comovia o país ao chorar diante das câmeras de TV depois de assassinar a companheira Ângela Diniz com quatro tiros (três no rosto). A família e os amigos de Ângela tiveram de assistir a um julgamento que transformava a vítima em uma mulher manipuladora, infiel, violenta, sexualmente incontrolável e provocante que cavou a própria sepultura.

Doca passou pouco mais de 5 anos na cadeia, retomou a vida, casou-se, teve filhos, escreveu um livro sobre o caso e ainda disse em entrevista à revista IstoÉ: “A Ângela até nem sofreu, porque morreu. Quem fica, sofre”. É de dar pena, não?

Quarenta anos é bastante tempo, e muita coisa mudou de lá para cá. No entanto, as mulheres ainda continuam sendo culpabilizadas pela violência que sofrem.

A facilidade com que assassinos, estupradores, assediadores e espancadores se dizem arrependidos e tentam comover a sociedade ao justificar suas atitudes é chocante. E eles fazem isso por um único motivo: funciona.

Não conheço nenhum outro crime em que se dizer arrependido e colocar a responsabilidade na vítima sejam uma tática de defesa tão bem sucedida. Ninguém diz a uma vítima de assalto que ela provocou o crime, muito menos um ladrão tem o descaramento de afirmar que a denúncia de suas vítimas atrapalhou sua vida.

Por que, então, aceitamos que homens justifiquem seus crimes quando as vítimas são mulheres? Por que buscamos respostas na atitude e no comportamento de quem sofreu a agressão para explicar a violência do agressor? Até quando vamos dar atenção e espaço na mídia e na sociedade em geral para homens destilarem seu “arrependimento” em busca de redenção?

Dizer que nada justifica a violência é chover no molhado. Contudo, isso não se aplica quando a vítima é mulher.

Como veem, 40 anos não é tanto tempo assim.

*Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"