sexta-feira, 22 de maio de 2015

Aborto legal


A criminalização do aborto divide o mundo em dois: a maioria dos países do hemisfério norte não trata o aborto como crime, e tem leis mais liberais em relação ao procedimento. Por outro lado, as leis de quase todos os países do hemisfério sul criminalizam o aborto na imensa maioria dos casos.

As leis restritivas, além de não impedirem que as mulheres abortem, tornam o aborto inseguro. Não à toa, 98% das 43 mil mortes anuais por abortamento no mundo ocorrem nos países em que o procedimento é considerado crime e é, por consequência, realizado de modo inseguro, sem as condições necessárias.

No Brasil, o aborto é permitido pelo Código Penal em duas situações: em caso de estupro e quando há risco de morte para a gestante. A partir de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) deixou de considerar crime o abortamento em casos de anomalias fetais graves e incompatíveis com a vida extrauterina.

O médico Jefferson Drezett, diretor do Núcleo de Violência Sexual e Abortamento Legal do Hospital Pérola Byington (SP), apresentou um panorama do aborto legal, realizado nos casos previstos em lei, no seminário “A mídia e o aborto”, organizado pelo Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA) em março deste ano (assista ao vídeo aqui). O cenário não é nada animador.

Em 2013, foi sancionada a lei que obriga os hospitais do SUS a prestar atendimento emergencial, integral e interdisciplinar às vítimas de violência sexual. Apesar de não mencionar a palavra ‘aborto’, a lei garante os cuidados das lesões físicas, o amparo social e psicológico, a profilaxia de doenças sexualmente transmissíveis e da gravidez, entre outros direitos. Em último caso, a mulher pode interromper a gravidez forçada.

A realidade, no entanto, não é bem assim. Nem todos os hospitais garantem acesso a serviços de saúde voltados às vítimas de estupro, e poucos oferecem o abortamento seguro, realizado em condições de higiene e segurança e por equipe de saúde, nos casos previstos na lei.

Prova disso é que o hospital Pérola Byington, referência em atendimento de casos de violência sexual no país, já atendeu, desde sua fundação em 1994, mais de 35 mil casos de estupro, grande parte encaminhada de outros municípios, que não têm condições de atender as vítimas.

Em momento em que tramita na Câmara dos Deputados projeto de lei que visa a descriminalização do aborto, como garantir o abortamento legal e seguro nos casos previstos pela lei se os serviços de saúde do país sequer estão preparados para atender as vítimas de violência sexual?

Esse parece ser o desafio da maioria dos serviços de saúde e dos governos, que falham ao deixar a vítima de crime tão bárbaro à mercê da própria sorte.


*Texto originalmente publicado no www.drauziovarella.com.br