quarta-feira, 3 de junho de 2015

Amor não machuca


"Em briga da marido e mulher, não se mete a colher.” Poucos ditos populares me causam mais repulsa. Porque ele justifica e legitima os milhares de casos de violência como os de Juliana Paiva Martins, assassinada aos 25 anos pelo namorado em um shopping de Aparecida de Goiânia, em Goiás. O delegado da cidade considerou o crime “passional”, que, por definição, é o homicídio que se comete por paixão. 

Não vejo paixão nem amor em um crime desses; vejo, isso sim, sentimento de posse e de superioridade e menosprezo pela vontade e autonomia da mulher. O crime, tão comum no Brasil, foi mais um caso de feminicídio, quando o motivo do homicídio ocorre em razão de gênero. Juliana, assim como tantas outras, morreu porque era mulher.

Entretanto, nem todo caso de violência contra a mulher acaba em homicídio. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular (2014), três em cada cinco mulheres jovens já sofreram alguma forma de agressão em relacionamentos afetivos. A mesma pesquisa revelou que 56% dos homens admitiram ter xingado, batido, empurrado ou obrigado a parceira a fazer sexo. É muita gente.

O que leva alguns homens a cometer atos de violência contra quem supostamente amam ou já amaram, com quem compartilharam alegrias, sorrisos e tristezas? Não consigo pensar em nada além do fato de que eles consideram a parceira parte de sua propriedade, de que podem dispor conforme sua vontade e desejos. 

Embora casos extremos possam chocar, aprendemos a tolerar pequenas violências cometidas em relacionamentos abusivos. É comum vermos mulheres que dizem não aceitar violência física, mas que aturam, muitas vezes, que os parceiros digam-lhes o que vestir, com quem conversar, aonde ir. A maioria não se dá conta de que, desse modo, está sendo vítima de abuso.

Qualquer imposição que viole a liberdade de outra pessoa é uma forma de violência. Ninguém tem o direito de lhe dizer o que pensar, como agir, comportar-se. 

Talvez quando aprendermos a respeitar o fato de que somos seres autônomos e que, portanto, nossas ações sobre o outro devem ter limites, os casos de violência doméstica diminuam, e as milhares de Julianas não mais paguem com a vida apenas por terem nascido mulher.

* Texto originalmente publicado na página do "Quebrando o Tabu"